sábado, 12 de maio de 2007

Turista na Daslu




Lucia Piva de Albuquerque deu início ao que seria a Daslu em 1958. Com sua sócia Lourdes Aranha, ela recebia as amigas em casa para um bom papo, cafezinho e compras, claro. O negócio prosperou e logo havia uma fiel clientela para a exclusiva boutique "das-lu". (Site oficial Daslu)



Uma vez mais em São Paulo, para trabalhar, exausta e quase de partida, restavam os finais de dia para encontrar num shopping qualquer umas Melissas ou umas Havaianas.



O motorista Jorge falou de uma loja, a Daslu, que tinha tido problemas com a justiça – "sonegação fiscal", disse – e que o dono tinha estado preso e tudo. Na mais absoluta ignorância, lá fui conduzida sem grande motivação. Talvez vendessem Melissas...



Voltas e mais voltas, coisa normal na cidade, chegámos. Um palácio enorme à minha frente. Parecia tudo menos uma loja. Seguranças e mais seguranças, arrumadores de carros em barda e uma agitação enorme. A curiosidade já era grande.



Valeria a pena ver, mesmo que a probabilidade de encontrar as Melissas fosse ínfima. Quando entrei, nem queria acreditar. Um luxo nunca antes visto, logo ali em São Paulo, no Brasil. Salas e mais salas espalhadas por vários pisos. Labirintico. E muitas mulheres concentradas em gastar dinheiro, empurravam uma espécie de carrinhos de supermercado, mas de verga, com divisões para encher de forma organizada. E alguns turistas da Daslu, eu incluída.



Nem queria acreditar no que via. Será possível que num país como o Brasil, ainda que em São Paulo, isto possa existir. Num quarto dedicado à Hello Kitty, uma mãe mostrava à sua filha de colo: "Vê amô, que coisas mais lindas tem essa loja!". E eu falava para dentro: "Isto não me está a acontecer!", olhava para as etiquetas, via os preços, convertia mentalmente os reais para euros e voltava a falar para dentro: "Isto não me está a acontecer!".



Perdida, sem rumo e sem dinheiro para encher o carrinho, observava a vida na Daslu e sentia o cheiro forte a dinheiro. Grupos de mulheres esvaziavam cabides e grupos de empregadas empenhavam-se em satisfazer, tão rápido quanto possível, os inúmeros pedidos dos clientes.



Só um pormenor. No piso reservado à moda feminina, homem não entra. Como no Clube da Mônica! "Não há vestiários.", explicou uma das milhentas brasileiras sorridentes e solícitas que trabalhavam na Daslu.



Entre um chá e um bate-papo, as mulheres passavam o dia, o dia inteiro, no luxuoso império Daslu. Ah, é verdade, o dono tinha sido preso... Melissas, nem pensar, claro está. Havaianas muito menos. Perguntei e o sorriso da empregada não podia ter sido mais esclarecedor.



Decidi sair, o 'tour' tinha valido a pena. Turista na Rocinha, turista na Daslu. À porta, os carros topo de gama não paravam de chegar, mulheres perfeitas, bem vestidas entregavam as chaves aos arrumadores. O movimento não parava e a bicha fazia antever uns bons 15 minutos de espera pelo Jorge.



Sentada – na Daslu, também os sofás, cadeiras e 'chaise longue' abundam – esperei e vi o que nunca tinha visto em nenhuma outra cidade do Mundo e já estive em algumas. Tamanha sofreguidão, extravagância e ostentação.



O Jorge lá conseguiu chegar e comentei: "Na Daslu, senti-me miserável". O Jorge riu. E puxei: "Há assim tanta gente com tanto dinheiro?". Sabia que no Brasil, o fosso entre ricos e pobres é enorme e que existem muitos ricos, mas, admito, nunca tinha visto tantos de uma só vez e a consumir. O Jorge disse: "São sempre os mesmos. Amanhã, se a senhora vier, são os mesmos". Sosseguei, melhor assim, podia ser pior. Mais à frente, insisti: "E o que fazem sempre os mesmos todos os dias na Daslu?". Resposta: "A senhora não leve a mal. Aqui em São Paulo, os ricos fazem assim – as mulheres vão à Daslu, os homens à Daspu".



3 comentários:

Cátia Simões disse...

Excelente texto!

Compreendo a tua perturbação. Quando estive em Salvador, o shopping estava apinhado de mulheres vestidas com as melhores marcas mundiais e a gastar reais como se não houvesse amanhã. e eu, que achava que a conversão do euro para a moeda brasileira me seria altamente vantajosa, só consegui trazer umas sandálias e um vestido... comprado numa loja tipo C&A...

Do ar condicionado e perfumado do shopping sais para o calor húmido da rua, olhas para a pobreza que se deita pelos passeios e pelos meninos da favela que correm descalços pela rua e se agarram à tua saia a pedir pão, e pensas como é incrível um país de tão grandes contrastes, onde a riqueza é tanta mas chega a tão poucos...

MBA disse...

Está esclarecida a primeira dúvida. O aprendiz afinal não é o TF :-) Não o vejo a comprar sandálias e um vestido... :-)

Fim de Partida disse...

;-)